A culpa é dos FIIs de Papel | Por Ricardo Schweitzer

A culpa é dos FIIs de papel

A culpa é dos FIIs de papel. Artigo por Ricardo Schweitzer

Especialmente desde que desvendou as inconsistências contábeis do IRB Brasil (IRBR3), a gestora Squadra se tornou uma espécie de Nostradamus do mercado brasileiro: se crava o olhar e alerta sobre algum ativo, pode ser que o ponto de implosão esteja próximo.

No final de agosto, foram “premiados” com as previsões da profeta Squadra os fundos imobiliários (FIIs) – que, convenhamos, alguns já estavam em um relacionamento conturbado com o investidor pessoa física.

Na sua carta semestral, a Squadra sentenciou que muitos fundos tinham como prática pagar dividendos acima da sua geração de caixa, na tentativa de inflar o preço das cotas no mercado. Afinal, qual investidor não gosta de um dividendo gordo? Se um fundo está pagando bem, o esperado é que as pessoas físicas comprem mais cotas e, em consequência, estas se valorizem na bolsa.

Mas, para manter esse padrão de dividendos elevados, o preço vinha sendo alto. Segundo a Squadra, muitos FIIs vinham fazendo emissões de novas cotas com frequência e até mesmo aumentado o seu endividamento – por meio das limitadas alternativas que tais veículos dispõem para tal. Ou seja, com o dinheiro recebido pelos novos investidores é possível pagar dividendos aos antigos investidores.

Seria um esquema de pirâmide tipo Ponzi nos fundos imobiliários? Para a Squadra, a estrutura é muito semelhante e se trata de uma versão “amortecida” do ocorrido com a Icahn Enterprises, empresa do famoso investidor Carl Icahn, que também sustentava um dividend yield alto com dinheiro de novos acionistas.

Ocorre que esse comportamento pode até durar um tempo, mas dificilmente se sustenta no longo prazo – e é aí, meus amigos, que muitos cotistas de FIIs podem levar surpresas negativas e sair machucados.

Longe de ser um mensageiro do caos, decidi trazer nestas linhas uma questão importante: nem tudo está perdido na indústria de fundos imobiliários; E convenhamos, não dá para jogar fora o bebê junto com a água do banho. Se você quer saber como separar o joio do trigo, então acompanhe meu raciocínio.

Bichos muito diferentes

Quando a gente fala de ações e renda fixa, a diferença entre estas classes de ativos fica esmagadoramente clara para os investidores pessoa física. No entanto, o mesmo não ocorre quando comparamos FIIs “de papel” e FIIs “de tijolo” – que também possuem dinâmicas, riscos e potenciais muito diferentes.

Aos olhos dos mais incautos, o fundo imobiliário de papel é simplesmente um FII com dividend yield mais alto do que o de tijolo.

O buraco é bem mais embaixo, meus caros.

Para quem ainda está dando os primeiros passos no mercado, tentarei simplificar as diferenças entre ambos. O FII de tijolo investe em imóveis reais, que, se bem escolhidos, podem se valorizar com o tempo. Imóveis têm uma vida útil relativamente longa e, durante esse período, podem se apreciar.
Então, imagine que um imóvel foi adquirido por R$ 100 mil. A depender de sua localização, padrão construtivo, etc, este pode seguir valorizando pelo resto da sua existência, mais do que compensando sua natural depreciação. Em alguma medida, FIIs de tijolo podem ter dinâmica análoga à das ações – embora em uma versão mais light.

Já os FIIs de papel investem em dívidas, concentradas em Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) e Letras de Crédito Imobiliário (LCI), e pagam dividendos aos seus cotistas a partir dos juros recebidos desses títulos.

Essas dívidas têm um prazo finito e seu valor nunca será superior ao principal acrescido de juros, tudo trazido a valor presente. É por isso que eu enxergo que FIIs de papel são muito semelhantes à renda fixa.

Grosso modo, o potencial de um FII de papel está apenas no dividend yield oferecido aos cotistas – sendo os maiores tipicamente associados a operações efetivamente mais arriscadas -, enquanto nos FIIs de tijolo há mais oportunidades de gerar valor no longo prazo.

Cheiro de ralo sujo

“Ah Ricardo, mas qual é a tua fixação com os FIIs de papel?” Com a sinceridade que me caracteriza nestes 16 anos de mercado eu vou falar a real: não acredito que os FIIs de papel sejam um investimento adequado para investidores pessoa física.

O motivo é que a análise de crédito das carteiras destes fundos é muito técnica e difícil. O investidor não encontra com facilidade as informações necessárias para fazer uma avaliação profunda dos ativos de dívida dentro do fundo. Em suma, é um investimento no qual você vai aportar o seu dinheiro com base na “confiança” nos gestores do FII e, claro, torcer para nada dar errado.

(O problema, como temos recentemente visto, é que dá errado sim…)

O dividend yield oferecido por muitos FIIs de papel costuma ser elevado justamente porque tais fundos investem, de fato, em títulos de dívida de alto risco. O problema é que o risco de crédito é algo difícil de prever e se manifesta de forma binária: enquanto um evento de inadimplência não ocorre, parece estar tudo ótimo. Mas, quando a inadimplência chega, os investidores são subitamente surpreendidos por resultados aquém do esperado.

Dividendo não é tudo

Não precisa ir muito longe para entender esse risco na prática. Recentemente o fundo imobiliário da Hectare, o HCTR11, teve uma forte desvalorização na bolsa após anunciar que reduziria os seus dividendos em 66%, de R$ 0,50 por cota para R$ 0,17.

O HCTR11 possui uma carteira de CRIs com riscos substancialmente acima da média. Em um certo momento, a gestão decidiu sustentar distribuições de resultados acima do que efetivamente vinha recebendo dos devedores – e deu no que deu.

(E não foi falta de aviso, tá?)

Com a deterioração da situação, o HCTR11 foi obrigado a anunciar a redução significativa dos seus dividendos mensais, movimento que alertou os investidores sobre o risco de crédito do fundo, fazendo com que as cotas despencassem na bolsa.

Mas por que o HCTR11 fez aquilo? Pela regulação dos FIIs, tudo ocorreu de forma lícita, dado que os fundos podem distribuir rendimentos pelo regime caixa – que leva em conta quando o dinheiro entra no caixa do fundo – ou pelo regime competência – que considera os recebimentos futuros como contraparte.

O Hectare se “aproveitou” do aspecto regulatório para distribuir dividendos que não condiziam com o que receberia no futuro, principalmente por conta dos eventos de inadimplência da sua carteira de CRIs.

Para os investidores mais desavisados, essa situação não foi nada favorável: vendo um histórico de dividendos passados muito elevados, eles foram influenciados por uma percepção equivocada da sustentabilidade desses proventos. Enquanto o dividendo estava nas alturas, as cotas se valorizaram no mercado, mas quando a realidade surgiu, houve uma queda nas cotações.

Não é a primeira e nem a última vez que investidores são levados a tomar decisões de compra erradas no mercado com base em fundamentos embelezados pelas gestoras e empresas. Aliás, definitivamente 2023 não está sendo um ano fácil para investidores minoritários.

A lição que o HCTR11 nos deixa é que um dividendo elevado não deve, JAMAIS, ser o único critério para escolher um fundo imobiliário (tampouco ação), porque estaríamos desconsiderando a sustentabilidade destas distribuições.

Mas se eu puder dar um conselho para você investidor: fuja dos FIIs de papel e opte por FIIs de tijolo com bons fundamentos.

E o que avaliar nos FIIs de tijolo para não quebrar a cara? Bom, você pode observar a qualidade de portfólio dos imóveis investidos pelo fundo. A localização é boa? Qual é o padrão construtivo? Há espaço para modernização?

Também é importante ficar atento à saúde financeira dos inquilinos, principalmente se os imóveis têm apenas um ou poucos locatários. Avalie o histórico de criação de valor da gestão por trás do fundo e a natureza dos contratos de locação.

Se observar atentamente estes critérios, o dividend yield será apenas uma consequência de boas escolhas e não a causa do investimento.

Selic não faz milagre

Sem dúvidas, o cenário econômico adverso e a inadimplência foram as grandes vilãs dos FIIs de papel, que sofreram com calotes dos devedores, contudo a má notícia é que isto não será superado tão cedo. Arrisco a dizer que problemas como o de Hectare devem assombrar os fundos imobiliários de tempos em tempos.

Embora a Selic tenha recuado para 12,75% nesta semana – e, aparentemente tenha mais espaço para cair -, não vai ser ela que trará um panorama melhor para a indústria de FIIs como um todo.

Ninguém vai alugar uma laje corporativa ou um galpão logístico apenas porque a Selic caiu. O mesmo se aplica para os FIIs de papel: a situação financeira de um empreendimento que emitiu CRIs não vai melhorar magicamente pela queda dos juros. Os devedores não vão correr para pagar suas contas em aberto.

É preciso olhar com mais atenção para o mundo real. Como diriam: mais PIB e menos Selic para destravar a indústria de FIIs.

Antes que a profecia da Nostradamus Squadra faça novas vítimas, lembre-se que ainda há tempo de encontrar boas oportunidades nos fundos imobiliários. Basta olhar com critério os fundamentos, acompanhar também as operações no mundo real e ouvir menos o canto da sereia dos dividendos.

Autor: Ricardo Schweitzer

Blog do Grana é a página de conteúdo informativo do aplicativo Grana Capital, parceiro da B3 para ajudar os investidores com o Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF).

 

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