Dividendos fazem diferença sim | Por Ricardo Schweitzer

Artigo de Ricardo Schweitzer

Grande parte dos investidores menospreza a tão essencial remuneração ao acionista e ignora o potencial de longo prazo que ela traz consigo. Por Ricardo Schweitzer*

Já comentei em outras ocasiões que existe uma assombrosa dicotomia entre a teoria e a prática de finanças. Marcada principalmente pela quase hilária “hipótese dos mercados eficientes”, a completa desconexão entre academia e mundo real tem, ainda, outros efeitos colaterais.

Um clássico artigo produzido pelos economistas Franco Modigliani e Merton Miller, lá nos anos 60, estabelece que, sob um determinado conjunto de premissas, a política de dividendos praticada por uma empresa é irrelevante para o valor de suas ações. Surpreendentemente, sem sequer discutir a aplicabilidade do tal conjunto de premissas no mundo real, a conclusão do paper se tornou, entre muitos investidores, um verdadeiro dogma.

A leitura vulgar do artigo é a seguinte: a empresa que não distribui X em dividendos reinveste esse montante, gera mais valor e, por conseguinte, sua ação se valoriza. Com a valorização, o investidor aufere ganho de capital ao invés de receber dividendos. E tal ganho de capital é igual ou maior do que o retorno que os dividendos teriam propiciado. Portanto, por essa ótica, a empresa deveria distribuir zero a título de dividendos e reinvestir 100% de seus lucros sempre.

O primeiro problema dessa interpretação torta do artigo é que não necessariamente a empresa contará com oportunidades de reinvestimento atrativas a todo momento. Seja por limitações regulatórias (por exemplo, uma transmissora de energia não pode, por conta própria, decidir construir uma linha entre Porto Alegre e Manaus – ela precisa que esse projeto seja idealizado, licitado e vencido), seja por imposições da realidade (pode ser uma má ideia para uma empresa líder de um mercado pequeno dobrar sua capacidade de produção), as tais oportunidades nem sempre existem – ou, existindo, nem sempre oferecem perspectivas de retorno tão interessantes assim.

Quem acha que é só reinvestir na operação deveria sair um pouco da frente das planilhas e ir conhecer o mundo real – mesma prescrição que teria sido de enorme valia para os autores do artigo… 

A propósito, a eventual falta de oportunidades no core business da empresa é mãe de uma conhecida doença empresarial, carinhosamente apelidada de diworsification. A gestão, com dinheiro sobrando, resolve se aventurar em novas empreitadas fora de seu círculo de competência e acaba dando com os burros n’água, destruindo valor. Sempre me lembro de um emblemático caso de uma indústria de autopeças, competentíssima no seu segmento, que um belo dia resolveu construir um shopping center… o resultado foi catastrófico para os acionistas.

Não para por aí: a teoria parte de uma série de pressupostos altamente fantasiosos, como a inexistência de custos para emissão de novas ações, a irrelevância do nível de alavancagem para determinar o custo de dívida, a inexistência de tributos sobre dividendos e sobre ganhos de capital, dentre outros.

No mundo real, emitir novas ações custa dinheiro. O custo de dívida é, sim, determinado pelo nível de alavancagem – ou seja, empresas não podem contrair dívidas eternamente. Há tratamentos tributários distintos para dividendos e para ganhos de capital.

E a minha favorita: toda a informação necessária para valorar o ativo está plenamente disponível e incorporada ao preço. Ou seja, o preço de mercado é sempre o preço justo do ativo.

Gente, pelo amor de Deus.

Em primeiro lugar: não, a informação não está totalmente disponível para todos. Ela é heterogênea, porquanto uns têm mais acesso do que outros às diferentes fontes relevantes de informação. Em segundo: as ferramentas com as quais contam diferentes investidores para lidar com a informação são igualmente distintas. Em terceiro, todo santo dia nos deparamos com evidências de que essa ideia de que tudo está no preço, “automagicamente”, é coisa de livro-texto.

Esse terceiro ponto, aliás, tem uma implicação interessante: quem diz que tanto faz receber os dividendos ou “fazer um dividendo” vendendo parte das ações está, implicitamente, partindo da premissa de que o atual preço da ação é o justo; que o produto da venda equivale perfeitamente ao fluxo de caixa do qual se abre mão na alienação. Faça-me rir.

Além disso, a repetição robótica dessas proposições teóricas como se dogmas fossem ignora todo o progresso teórico dos últimos 60 anos: abundam evidências de que, dentre outras, a estrutura de capital e a política de dividendos são elementos disciplinadores do management que contribuem para melhorar a gestão da empresa. Executivos comprometidos com determinados níveis de endividamento e/ou distribuição de proventos precisam andar na linha para manter seus empregos, e isso mitiga o risco de aventuras irresponsáveis com o dinheiro do acionista.

Aos defensores do reinvestimento pela empresa em detrimento do pagamento de dividendos, trago a luz: ao receber dividendos, i) você está reduzindo o custo de aquisição da sua participação, melhorando seu retorno pelo lado do custo; ii) você tem a oportunidade de, se assim desejar, reinvestir os proventos recebidos na mesma empresa caso entenda que sua gestão faz um bom trabalho. É como se os acionistas fossem, de tempos em tempos, chamados a votar em favor ou desfavor da condução dos negócios pelo corpo diretivo. Isso é extremamente disciplinador.

Deixemos de lado os discursos fáceis. Olhemos para os fatos. Políticas de dividendos fazem diferença sim.

Pelo menos no mundo real.

Até a próxima.


*Ricardo Schweitzer é analista CNPI, consultor CVM e investidor profissional. 

Twitter: @_rschweitzer, Instagram: @ricardoschweitzer

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