Vamos parar com o “me engana que eu gosto”? | Por Ricardo Schweitzer

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Artigo de Ricardo Schweitzer

Não há escapatória: para ter chances de sucesso, você precisa fazer direito a lição de casa a respeito de seus investimentos. Por Ricardo Schweitzer*

Acumulo nas costas 15 anos de mercado de capitais, dos quais aproximadamente 8 foram dedicados à atuação junto a investidores institucionais e os demais tiveram foco nas pessoas físicas.

São muito distintas as dinâmicas de um mundo e de outro. E, com base em minha experiência – no mundo institucional, atuei em corretora, assets, fundo de pensão… enfim, em praticamente todo tipo de participante do mercado; no mundo PF, atuei em três researches independentes distintos –, acho que estou habilitado a falar alguma coisa a respeito.

O analista que atua junto a investidores institucionais frequentemente se depara com clientes que sabem mais a respeito das teses de investimento do que ele próprio – seja em função de informações recebidas de outros analistas, seja fruto de esforços próprios de análise, seja decorrente de interface direta com a companhia, ou seus concorrentes, ou outros participantes do seu mercado, etc. O diálogo analista-cliente é bilateral e, não raro, o analista acaba aprendendo mais sobre a tese do que ensinando. Por fim, a opinião do analista é encarada como o que de fato é: opinião, que pode (e deve) ser dissecada, comparada, questionada, etc. 

O analista que atua junto a investidores PF encontra cenário completamente diferente. O cliente, via de regra, conhece pouco ou nada a respeito das empresas nas quais investe. Na maioria dos casos, não conta com conhecimento técnico suficiente para avaliar se aquilo que está lhe sendo dito pelo analista faz todo sentido do mundo ou é a mais pura groselha. Mesmo quando tem vontade, não raro o investidor PF não tem tempo para acompanhar seus investimentos da forma ideal – e quando digo acompanhar, não me refiro a entrar no homebroker e ver se o preço está subindo ou caindo: isto a maioria faz e, francamente, tem pouco ou nenhum valor para tomada de decisão.

Como resultado, a relação entre um analista e um investidor institucional é relativamente entre iguais e baseada, primariamente, em parâmetros técnicos. Já a relação entre um analista e um investidor PF é predominantemente de confiança: eu não sei fazer isto, então eu vou fazer o que Fulano me disser para fazer.

Com efeito, o advento dos researches independentes no Brasil incutiu no grande público PF que basta assinar um relatório e copiar as recomendações para se ter sucesso nos investimentos. Quando digo copiar, não estou recorrendo a força de expressão: tenho algum conhecimento de causa quando afirmo que a maioria dos assinantes de relatórios sequer leem os relatórios que assinam – pulam diretamente para a tabela de recomendações. Instituiu-se a falsa crença de que é só pagar a assinatura e o analista faz todo o trabalho por você.

Isto esbarra, entretanto, em algumas dificuldades.

Em primeiro lugar, o cliente não tem condições de avaliar previamente a competência do analista. Não raro, o argumento de venda dos relatórios de análise mal aludem aos profissionais responsáveis pelas recomendações – o que é vendida é a ideia de ganhar dinheiro seguindo uma estratégia A e B que precisa ser conhecida antes que os poderosos a tirem do ar

Mesmo em casos onde é possível averiguar algum histórico de desempenho, é difícil avaliar i) se aquele histórico é legítimo ou sofreu algum tipo de manipulação; ii) se aquele desempenho decorre pura e simplesmente de maior tomada de risco no momento certo (no bull market, todo mundo é gênio); iii) se aquele desempenho decorre realmente de esforços de análise empreendidos pelo analista (e não de dicas que ele próprio colheu no mercado); iv) se, enfim, o analista realmente sabe do que está falando ou se está pura e simplesmente enrolando a todos, à luz do dia, valendo-se do fato de seus clientes saberem menos que ele.

Em segundo lugar, as recomendações contidas nos relatórios de análise são genéricas – isto é, são elaboradas sem levar em consideração o perfil e os objetivos de investimento de cada cliente. Como consequência, investidores podem ser levados a investir em teses de investimento cujo risco e prazo de concretização são completamente incompatíveis com seus objetivos e capacidades de investimento. Nesse contexto, a recomendação vendida pelo analista pode se equiparar a uma dieta impossível de ser seguida ou um programa de treino pensado para atletas profissionais, mas oferecido para esportistas de final de semana.

Não por acaso, é situação frequente nas consultorias que presto encontrar clientes com carteiras compostas de dezenas e dezenas de ativos, um punhado de cada oriundo de diferentes fontes de recomendação, que não guardam qualquer consistência interna entre si. O resultado é um cliente perdido, com um portfólio que não anda em direção nenhuma e com relação ao qual não sabe o que fazer, pois é 100% refém das recomendações dos analistas.

Diante de todo o exposto, talvez possa parecer ao leitor que estou demonizando as casas de análise (e não faltarão os que se apressarão em dizer que estou cuspindo no prato onde comi, tendo em vista que já atuei em algumas delas). Não, não é o caso.

A responsabilidade sobre seus investimentos é sua. Não é do(s) analista(s) que você segue. Não é do(s) influenciador(es) que você imita. É sua e somente sua.

A vida do analista cujo público é o investidor PF é mais fácil porque o cliente exige pouco; porque o cliente não questiona; porque muitas vezes o cliente sequer lê. A dinâmica que se estabelece é a pior possível: de um lado, uns fingem que analisam; do outro, clientes fingem que entendem quando sequer leram. A falsa ilusão de que é possível alcançar o sucesso numa estratégia Maria-Vai-Com-As-Outras se perpetua.

Perde o público investidor. As casas de análise seguem recebendo pelas assinaturas e vão muito bem, obrigado – tão bem que praticamente todas as principais foram vendidas para bancos ou corretoras, de tão bons negócios que são, independentemente de seus produtos serem ou não bons para os clientes.

A solução? Consumir o conteúdo de análise, sim, mas de forma crítica.

Ah, mas eu não tenho tempo – muitos hão de pensar.

Pois trago (más) notícias: o mercado não está nem aí para a sua falta de tempo. O investidor PF não faz jus a um handicap porque não é profissional e porque não se dedica exclusivamente à gestão de seus recursos. A partir do momento em que investimos, estamos participando da mesma arena dos investidores institucionais, profissionais dedicados a isto em tempo integral.

Se você deseja, de fato, investir assim… maximize suas chances fazendo sua parte bem feita ao invés de incorrendo nesse imenso autoengano que narrei aqui.

Ou…? Invista via fundos; delegue a gestão para os profissionais com os quais não se dispõe a competir. Será mais proveitoso e lucrativo.

Até a próxima.


*Ricardo Schweitzer é analista CNPI, consultor CVM e investidor profissional. 

Twitter: @_rschweitzer, Instagram: @ricardoschweitzer

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