
Vale tudo para explicar oscilações de curto prazo na bolsa. Por Ricardo Schweitzer*
Já que semana passada eu contei eu falei de MERP3, vou tomar carona na mesma narrativa.
– Zezão, tem um cliente perguntando por que Merposa tá subindo. Tá sabendo de alguma coisa?
– Sei lá. Diz qualquer coisa; diz que é fluxo gringo.
Eis uma cena que se repete dia após dia após dia mundo afora nas mesas de trading desse mundão velho sem fronteiras.
Paira no imaginário popular a ideia de que a turma do mercado detém conhecimentos sobreumanos e que tudo que se passa na tela do homebroker tem uma razão super concreta de ser.
Se uma ação sobe 1,5 por cento, há um motivo perfeitamente palpável que seu trader de estimação certamente conhece. Correto?
Nem de longe. Mas é lógico que, se algum veículo de imprensa pedir uma aspa, algum pombo da mesa vai vomitar uma explicação qualquer. A velha história de sempre: peça o impossível e alguém o oferecerá, mesmo que se trate de uma explicação furada para uma oscilação de 1,5% do índice.
Talvez seja consequência da mistificação promovida pela própria indústria: seduz a ideia de altíssima sofisticação transmitida pelo trader jovem, sorridente (e dá-lhe clareamento dental), de braços cruzados e, ao fundo, um escandaloso terminal Bloomberg de seis telas que mais parece uma alegoria de carnaval (aliás, tempestiva a menção nesta época).
A melhor maneira de impressionar um incauto é apresentar-lhe algo que ele não é capaz de entender, mas que lhe brilha aos olhos. Tudo parece ao leigo rocket science. Se há por trás disso alguma substância ou não, aí é outra história. Mas essa não é uma preocupação de primeira ordem para a turma do mercado.
A prática do mercado veio antes – bem antes – da teoria. Curiosamente, esta abraçou calorosamente justamente uma das proposições mais esdrúxulas da academia: a tal “hipótese dos mercados eficientes”.
“Tudo está no preço”, “o preço desconta tudo” e demais variações sobre o mesmo tema são incessantemente repetidas. A hipótese virou dogma, sem muito questionamento.
É sedutora a ideia de que alguém já fez o trabalho de incorporar ao preço de mercado toda a informação disponível sobre determinado ativo. E, portanto, toda flutuação de preço é fruto da incorporação de novas informações que vão surgindo ao longo do tempo. É elegante até.
E, além de elegante, é o sonho do preguiçoso: se tudo está no preço, então não há nada que eu precise fazer senão ficar olhando para a tela.
Se a prática comprova isso ou não, a história é outra. A rigor, tem gente explorando ineficiência de preço no mercado todo santo dia – umas maiores, outras menores. E mesmo os avanços na claudicante teoria de finanças sugerem que a tal eficiência do mercado depende da ação iterativa de agentes que, por meio de suas intervenções, incorporam ao preço as informações.
De qualquer forma… via de regra, o pequeno investidor é obsessivo pelas flutuações de curto prazo do mercado. Pouca coisa faz tão mal à saúde, penso eu, quanto acompanhar cada tick com o coração na mão.
Frequentemente recebo perguntas do gênero “Por que MERP3 caiu ontem? Vendo tudo?” Como se um dia de oscilação mudasse radicalmente qualquer tese de investimento minimamente embasada.
Via de regra, a única resposta realmente honesta que pode ser dada é um retumbante eu não sei. Mas esse não-saber é desconfortável demais para a maioria. Pois bem: acostume-se. Lembra quando sua mãe dizia que você não é todo mundo? Pois não seja todo mundo nessas horas também.
Na grandessíssima maioria das vezes, o melhor a fazer é absolutamente nada senão ater-se a uma estratégia consistente. Mas o busílis é que, à maioria, falta convicção na sua estratégia (isso quando ela existe…). Então cada chacoalhada reacende a tentação de fazer outra coisa que não a originalmente planejada.
Aliás, é justamente nessas horas que ter um plano se mostra importante. E, mesmo assim, a maioria não tem. Resultado? A maioria vai perder, e cabe a você e a mim decidirmos se queremos fazer parte dessa maioria ou não. Eu não quero.
Não exija do mercado uma precisão que ele simplesmente não oferece. Não se deixe iludir pela aparente sofisticação dos terminais Bloomberg: há mais ruído do que informação lá fora. E, se você assumir o contrário, vai enlouquecer – e perder dinheiro.
Essa discussão, por óbvio, vem na hora certa: com a situação na Ucrânia elevando a percepção de risco dos mercados globais, a tendência é que os ativos chacoalhem sem muito compromisso com seus fundamentos.
Do lado de cá, é oportunidade para comprar. Muito especialmente todas aquelas empresas que, nada tendo a ver com as desventuras de Putin, oscilarão pura e simplesmente por conta do estresse sobre o custo de capital ou – tanto melhor – por razões predominantemente técnicas, como liquidez.
No mundo real, adivinhe: continuarão produzindo, vendendo, lucrando como se nada estivesse acontecendo.
E você?
*Ricardo Schweitzer é analista CNPI, consultor CVM e investidor profissional.
Twitter: @_rschweitzer, Instagram: @ricardoschweitzer