
Ou “por que você NÃO deveria migrar da Bolsa para a Renda Fixa”. Por Ricardo Schweitzer*
Saudações.
O artigo de hoje vai ser um pouco mais denso que o normal, mas há de valer a pena.
Algum tempo atrás li em algum lugar uma afirmação que ficou na minha cabeça: valuation é o processo de tentar transformar renda variável em renda fixa.
Talvez a frase soe um tanto estranha para quem não está familiarizado com o funcionamento do mercado de renda fixa – que, ao contrário do que o nome sugere, muito pouco tem de fixa. Bem diferente do que aparenta um CDB (que é, para a maioria, a porta de entrada para esse mundo), um título que efetua pagamentos fixos e periódicos vê seu valor de mercado oscilar (bastante, em alguns casos) com base nas expectativas de mercado sobre o mercado de juros em geral e em determinadas características suas – e é aí que o paralelo com o mundo das ações fica interessante.
Comecemos pela parte fácil: o valor justo de uma ação é o somatório do valor presente dos fluxos de caixa daquela empresa de agora até o infinito (isso assumindo que estejamos tratando de um negócio cuja existência pretende-se por prazo indeterminado: fosse algo com data para acabar, seriam os fluxos até a data de liquidação).
Todo analista fundamentalista se ocupa principalmente de tentar estimar esses fluxos. Isso se faz a partir da construção de um conjunto de hipóteses razoáveis sobre o desempenho futuro da empresa: demanda pelos produtos, preços, custos (e, consequentemente, margens), investimentos em capital de giro, investimentos em novas capacidades produtivas… e voilá.
Desnecessário dizer que cada uma dessas etapas carrega consigo uma considerável margem de erro. E a combinação dessas margens de erro está mais para uma exponencial do que um somatório. Aí a primeira (e enorme) dificuldade de fazer valuation.
Diferentes empresas terão diferentes características de fluxo de caixa. Há aquelas que, no momento presente, ainda queimam caixa e, acredita-se, passarão a gerar caixa no futuro, com a maturação dos investimentos de hoje; há as que geram caixa hoje mas se espera que gerarão muito mais caixa no futuro; há aquelas que devem gerar no futuro montantes de caixa relativamente parecidos com os de hoje em dia… enfim.
E aqui eu pego emprestado o primeiro conceito da renda fixa: a duration. Grosseiramente falando, duration é uma medida de sensibilidade do valor de um título a oscilações na taxa de juros. Quanto maior o prazo para que esse título seja pago, mais o valor presente do título oscila mediante variações na taxa.
Transposto para ações, o primeiro insight é: empresas de crescimento são muito mais sensíveis a variações no custo de capital do que empresas maduras, porque uma parcela maior do valor do primeiro caso se encontra num futuro mais distante.
Feita toda a discussão em torno dos fluxos, vem a discussão em torno da taxa que os trazem a valor presente.
O tal custo de capital é, em miúdos, o custo de oportunidade do dinheiro – que depende, fundamentalmente, da remuneração que é possível obter em outras alternativas de investimento.
A primeira coisa que vem à cabeça é o retorno dos títulos de renda fixa, não é mesmo? Pois é. São eles mesmos. De prazo similar ao fluxo da empresa – que, se existirá para sempre, deverá ter como comparação os títulos de renda fixa mais longos disponíveis (e não a Selic, como alguns podem pensar).
E a rentabilidade desses títulos, por sua vez, dependem de fatores macroeconômicos: inflação, crescimento econômico, risco fiscal, custo de capital lá fora (em última instância, nos EUA).
Daqui vem o segundo insight: se o valor de um ativo não depende somente dos seus fluxos futuros, mas também do custo de capital – e esse custo de capital depende de fatores macro locais e globais -, então é falsa a ideia de que basta olhar para os resultados das empresas como se ilhas elas fossem. Mesmo uma empresa de alto crescimento pode ver seu valor justo cair mediante um aumento do custo de capital.
(Então vamos parar com argumentos do tipo as ações XYZ não deveriam cair por causa dos EUA, já que XYZ só opera no Brasil)
Voltando ao custo de capital: se ele depende de fatores macro locais e globais, então ele é altamente sensível a expectativas sobre o futuro. E expectativas futuras são, em grande medida, impactadas pelo sentimento geral a respeito do momento presente: é tendência humana pressupor que, pelo menos em parte, o futuro será parecido com o presente. Como consequência, quando o presente é animador há ânimo em relação ao futuro e quando o presente é turbulento vislumbra-se um futuro cinza.
Esse viés de continuidade, e seus sistemáticos rompimentos a partir de dados ou fatos que sejam capazes de mudar o ânimo dos agentes, ajuda bastante a explicar a volatilidade dos mercados: as reações são naturalmente exageradas para cima e para baixo.
Daqui vem o terceiro insight: talvez o momento mais seguro para se investir seja justamente quando as expectativas acerca do futuro são as mais tenebrosas, pois o alto custo de capital traz para baixo o valor justo dos ativos.
Juntando os três insights, chega-se a uma conclusão que, para muitos, pode parecer espantosa: os momentos de maior incerteza acerca do futuro são os melhores para se investir em teses de alto crescimento, enquanto os momentos de maior otimismo pelo porvir são mais adequados a teses mais perenes e seguras.
Agora veja só você: é ou não é exatamente o contrário do que se vê dizer por aí?
Diante de perspectivas econômicas nebulosas aqui e acolá, multiplicam-se os artigos, relatórios e tudo mais sugerindo que o momento é de cautela, recomendando massivas migrações de recursos para a renda fixa ou para ações cujas teses de investimento são mais consolidadas.
E os próprios dados da B3 sugerem que agora investidores estão saindo da bolsa.
Onde estavam os profetas do apocalipse para recomendar migrar para a renda fixa quando se falava em Ibovespa a 150 mil?
Onde estão os que ridicularizavam teses de investimento perenes (como as pagadoras de dividendos, que defendo sistematicamente) quando transbordava otimismo sobre o crescimento futuro?
Isto nos leva ao quarto e derradeiro insight deste artigo: a maior parte da mídia e da indústria de investimentos (coisas que cada dia mais se confundem) se ocupa de dizer, a cada momento, o que as pessoas estão mais propensas a ouvir e aceitar, mesmo que erroneamente.
É muito mais fácil vender guarda-chuva quando está chovendo do que sob céu limpo e sol de 42 graus. É muito mais fácil dizer que o que está bom vai continuar cada vez melhor (compre!) ou que o que está ruim vai continuar cada vez pior (venda!). Porque, independentemente da validade da afirmação, é o que as pessoas estão mais propensas a ouvir e aceitar (e, por óbvio, tomar a decisão que gerará a corretagem, a comissão, a venda do relatório, etc…).
No final do dia, todo mundo quer vender algo. E a melhor maneira de vender é dizendo o que o cliente quer ouvir. Se isso não coincidir com a realidade, who cares?
Diante disso, minha humilíssima sugestão a você, a quem não estou tentando vender nada (pelo menos não aqui e agora!), é perguntar-se:
- Seu apetite por risco, hoje, é maior, igual ou menor do que há 1 ano atrás? E como deveria ser?
- Quais são os incentivos de quem sugere, nesse momento, tomar menos risco?
- Estaria você buscando nos artigos, nas palavras dos analistas e comentaristas em geral, no discurso do seu assessor tão somente uma confirmação das suas crenças?
Colocando as coisas nesses termos, nossa perspectiva pode mudar bastante. Tente e depois me conte.
Até a próxima.
Ricardo Schweitzer é analista CNPI, consultor CVM e investidor profissional.
Twitter: @_rschweitzer, Instagram: @ricardoschweitzer