
Espere tudo – menos tranquilidade – no novo ano que se inicia. Por Ricardo Schweitzer*
Feliz ano novo!
Curada a ressaca do reveião, sirvo-me deste primeiro (e preguiçoso) dia útil de 2022 para fazer o que o povo gosta: o tradicional texto de perspectivas e previsões para o ano vindouro.
Não faço segredos de que tenho lá minhas ressalvas com esse tipo de construção, muito mais pelo mau uso que muitos leitores podem acabar fazendo – principalmente nesses tempos de redes sociais e leituras apressadas…
…mas ouso incorrer no risco de acabar confundido com um charlatão qualquer, porque tem lá seu valor conjecturar sobre o futuro, mesmo que todas essas conjecturas não passem, na melhor das hipóteses, de chutes relativamente educados.
Então deixo muito claro: o que vem a seguir não são previsões – quem as quiser, que ressuscite a Mãe Dinah ou o Walter Mercado. São apenas (algumas das) hipóteses que passam pela minha cabeça sobre o ano que começa a se descortinar, acerca dos temas que podem vir a ser foco de atenção do mercado até o próximo Especial Roberto Carlos.
Ei-las, e ordem completamente aleatória:
1. O custo de capital vai subir. Em meio ao contexto de atividade econômica forte e dinâmica inflacionária crescente nos EUA, devemos finalmente ver o custo do dinheiro subir na terra do Tio Sam, levando consigo o restante do mundo de arrasto em 2022. Geograficamente, a conta deve ficar mais cara para países emergentes (tal qual Pindorama); globalmente, teses de investimento cujo valuation depende fortemente de crescimento futuro longínquo e opaco (tipo as coisas nas quais o Softbank gosta de colocar dinheiro) devem ser pressionadas.
2. A conta do BCE será cara. A insistência do Banco Central Europeu em tratar a inflação pós-pandemia como um fenômeno transitório tende a resultar em situação delicada no bloco. Caso a autoridade capitule (ainda que tardiamente) e promova um aperto monetário, a situação fiscal dos países mais gastões do Velho Continente pode ficar bastante comprometida. Se, por outro lado, Bruxelas seguir de braços cruzados, podemos ver uma desvalorização do Euro contra o Dólar.
3. Implosão controlada na China. A situação de incorporadoras como Evergrande e tutti quanti que começaram a popular o noticiário não deve se sustentar, mas Pequim deve redobrar esforços para mitigar danos, sem grandes repercussões internas (garantir a estabilidade do regime e a reputação de Xi Jinping é crucial) ou externas (a manutenção da reputação chinesa no cenário geopolítico global é, também, prioridade de Pequim). No limite, pressões domésticas podem ser acomodadas via inflação – e, talvez, tenhamos uma nova desvalorização do Renminbi.
4. Rússia volta a ser pedra no sapato. A crescente dependência europeia do gás russo e a percepção de que, na era pós-Merkel, as lideranças do Velho Continente sejam mais mansas que no passado são o combustível que Putin precisava para voltar a agir como valentão no quintal europeu. A Ucrânia (mais especificamente a Criméia) é o alvo potencial. Se concretizada, situação pode jogar custo de energia na Europa nas alturas.
5. Ômicron não é problema tão grande assim. Embora altamente transmissível, o vírus parece produzir infecções de gravidade substancialmente menor – e, por conta disso, não devemos ver medidas tão duras quanto as de antanho no combate à nova cepa do vírus…
6. Eleições dominam agenda local. Pouco ou nada de estruturante ainda será realizado pelo governo vigente, pura e simplesmente porque falta tempo e capacidade articulativa entre poderes para. A hora é de benesses eleitoreiras até o limite da legislação – e o fiscal a gente resolve depois…
7. Melhor Jair se acostumando (para o bem e para o mal) com o BC. O mercado, que não gosta da atuação de Roberto Campos Neto, precisará lidar com sua condução da autoridade monetária até 2024, por força do mandato fixo aprovado. Se concretizada a leitura de que o BC exagerou na dose da alta de juros, recuperação da atividade este ano (consequência quase natural da melhora da situação pandêmica) é atenuada. Em qualquer cenário, a inflação implícita nos juros prefixados não parece conversar com um banco central funcional.
8. A volta do presidencialismo de coalizão. Dilma II e Bolsonaro I foram bons exemplos, de matizes ideológicos bastante distintos, de que o presidencialismo de coalizão é o único arranjo de governo viável com as instituições que temos. Em outras palavras, quem não articula bem com Legislativo e Judiciário acaba remando sem sair do lugar. Seja quem for o vencedor do certame, sua capacidade de negociar com os demais Poderes será o elemento-chave de avaliação do mercado.
9. É uma boa ideia ficarmos atento ao vice. Lula faz 77 anos em outubro. Caso vença as eleições (o que, numa análise totalmente desapaixonada, parece uma possibilidade digna de consideração no momento atual), será o presidente mais idoso a assumir – Temer tinha 75 ao ser alçado ao Planalto. Com a expectativa de vida para homens muito próxima deste mesmo patamar, não se pode descartar a possibilidade de o vice concluir o mandato (ou, no mínimo, de ser o sucessor natural em 2026). Isso também será objeto de análise do item anterior.
10. E o bambu? Você, caro leitor ou leitora, que chega ao final deste decálogo deve estar se perguntando qual é a referência do título deste artigo. Desfaço o mistério: nada tem a ver com a sugestão da menina ao grande Silvio Santos. 2022 é o ano do bambu no Brasil porque enverga, mas não quebra: vai ter vol, vai ter ranger de dentes, vai ter valsa na beira do abismo mas tudo acabará bem – e quem tiver sangue frio para aproveitar as oportunidades que certamente surgirão há de chegar ao próximo Show da Virada muito feliz. Quer tranquilidade? Vai investir na Suíça!
Um ótimo ano para todos nós!
*Ricardo Schweitzer é analista CNPI, consultor CVM e investidor profissional.
Twitter: @_rschweitzer, Instagram: @ricardoschweitzer