
Valuations convidativos podem privilegiar o óbvio versus o incomum. Por Ricardo Schweitzer*
Quem me acompanha no Instagram já está acostumado comigo lembrando que analista também é gente. Nem só de mercado eu vivo: também saio para comer, lido com contratempos domésticos, faço mercado, etc. Ao contrário do que essa dinâmica de redes sociais sugere, sou de carne e osso como todo mundo.
E uma das coisas das quais eu gosto no meu tempo livre é corrida de cavalo. Não é coincidência: o estudo dos retrospectos e avaliação das melhores apostas tem lá sua semelhança com as ações. A diferença é que isso se faz ao ar livre, em sábados ensolarados.
A fauna do jockey club é, no mínimo, instigante. De um lado, tem o pessoal que vai pela social. Do outro, apostadores inverterados que muito me lembram o público das salas de ações que as corretoras mantinham antes do home broker se popularizar. E, por óbvio, há o público apostador profissional – esses tipicamente nem aparecem no hipódromo.
Adianto-me em enfatizar que não tenho a menor pretensão de fazer dinheiro com isso. Tipicamente só aposto para deixar mais divertido e trato os montantes envolvidos como se fossem pagos a título de ingresso para a reunião. Mas sempre observo, com curiosidade, o comportamento do pessoal que lá está levando a brincadeira mais a sério do que eu.
E são esses que me levam a escrever este artigo.
Tipicamente, as apostas de determinado páreo convergem de maneira tal que o prêmio disputado ao se apostar no(s) cavalo(s) com maior(es) chance(s) de vencer é relativamente baixo em relação aos azarões. Não raro, o favorito paga menos de 2 para 1, enquanto o conjunto no qual ninguém acredita remunera 20, 30 vezes a aposta.
Consequentemente, sempre dá vontade de apostar no azarão. A sensação é de que, muito embora a chance de vitória seja muito pequena, a remuneração da aposta em caso de sucesso compensa o risco.
O paralelo bursátil é bastante óbvio: empresas negociadas com descontos extraordinários, muitas vezes imersas em desafios internos.
Mas, assim como a maioria dos azarões não vai ganhar o páreo, a maioria dessas empresas não vai lograr sucesso. É importante, portanto, apostar – no cavalo ou na ação – consciente de que ali há risco.
E mesmo assim sabendo, não faltam os que apostam tudo no azarão.
Tenho um histórico relativamente longo de teses controversas. É, antes de tudo, uma questão de gosto – e, acredito, de alguma aptidão. No entanto, sempre fiz questão de enfatizar os riscos envolvidos (muitas vezes até mais do que as qualidades…) e de insistir que esperar mudar de vida a partir de um investimento dessa natureza é o caminho da ruína: teses de alto risco servem, caso deem certo, para melhorar marginalmente o desempenho de um portfólio majoritariamente composto de coisas mais sólidas.
No entanto, um dos grandes dissabores que tive que enfrentar ao longo de minha trajetória de analista é que, a despeito dos constantes alertas, muitos clientes tinham audição seletiva: por mais que insistisse que apostas deveriam ser pequenas, lá estavam eles com 30, 40, 50% do portfólio nos azarões.
Eu compreendo o aspecto psicológico da coisa: todo mundo quer a grande tacada; realizar a mitologia do enriquecimento rápido por meio da aposta against all odds. Ouso dizer, aliás, que todo mundo quer a história para contar.
Ficar rico investindo em Itaúsa não tem o mesmo apelo que fazendo termo em Merposa – muito embora o primeiro cenário seja muito mais factível que o segundo.
De qualquer sorte, a premissa do azarão é que o payoff do favorito é baixo. Se o favorito paga 1,5 para 1 e o azarão paga 50 para 1, Freud explica o magnetismo do underdog.
A questão é que, de vez em quando, o favorito para 5 contra os mesmos 50 do azarão. Como vota, deputado?
O horroroso desempenho da bolsa brasileira nos últimos meses impactou praticamente todas as empresas. Como resultado, empresas com excelente histórico operacional se veem negociando a valuations que há muito tempo não se registrava.
Com as campeãs oferecendo payoffs acima da média, até que ponto faz sentido redobrar apostas nos azarões?
*Ricardo Schweitzer é analista CNPI, consultor CVM e investidor profissional.
Twitter: @_rschweitzer, Instagram: @ricardoschweitzer