
Na busca por narrativas, preços podem afetar percepção. Por Ricardo Schweitzer*
Essa é lá do meu comecinho no mercado, mas continua atual como sempre.
Corretora. Assessores. Toca o telefone. O cliente pergunta: “fulano, o que você acha de XPTO?”
Assessor abre o gráfico, vê que a ação vem subindo há tempos e arremata: acho uma excelente empresa. Nada mais disse e nada mais lhe foi perguntado.
Antecipo-me a qualquer reação exacerbada à narrativa acima: o propósito deste artigo não é crucificar os assessores de investimento. O protagonista dessa esquete, aliás, era um sujeito muito boa praça e empenhado em prestar o melhor serviço possível a seus clientes.
A questão, aqui, é um viés.
Em um mundo ideal, a gente olharia para os fundamentos de forma absolutamente isenta e, então, perguntaria se o preço representa de maneira adequada nossa percepção do fundamento. Ou seja: preço é função de fundamento.
O problema é que nós não somos máquina. Somos seres dotados de emoções. Se você acompanha determinada tese – ou, tanto melhor, se você investe em determinada tese, em maior ou menor medida o comportamento do preço influenciará a sua percepção do fundamento.
Se deixarmos a emoção correr solta, pode apostar: em um piscar de olhos, a empresa cuja ação só sobe passa a ser maravilhosa e aquela ação que só cai corresponde a uma porcaria de empresa. Não mais que de repente, fundamento é função de preço.
Parabéns! Você virou refém da loucura e da miopia do mercado – para o bem ou para o mal. Agora é o rabo que abana o cachorro…
Assim se formam as mitologias em torno das empresas à prova de tudo, para as quais não existe risco nenhum: pode comprar que é só crescimento, sem risco. A nova Magalu, a nova Tesla, a nova-qualquer-coisa.
E também, em menor medida, as empresas malditas nas quais ninguém quer tocar porque a ação só cai.
Não bastasse o viés cognitivo, ainda há outro problema: em tempos de redes sociais, a profusão de palpites é simplesmente sem precedentes. E tendemos a acreditar que a crença da maioria deve ser verdadeira.
(E ainda tem os casos em que a crença coletiva se converte em uma profecia auto-realizável… mas essa eu deixo para comentar outro dia, pois é realmente de fundir a cuca)
O problema é que não há absolutamente nenhuma garantia de que tal crença tenha, de fato, se originado em uma lição de casa bem feita. Ela pode perfeitamente ter começado em uma mensagem torta que ganhou repercussão demais.
Bastam alguns minutos em rede social para entender o que eu quero dizer.
E por vezes é muito, mas muito difícil não se deixar contaminar. Arrisco-me a dizer, aliás, que algum nível de contaminação é inevitável. Sempre.
Se assim de fato for, talvez seja importante incluir no processo decisório, de maneira explícita, a premissa de que há sim viés; de que o ambiente influencia, sim, na percepção. Reconhecer-se humano, falho, limitado.
Como segundo passo, diversos gestores já me narraram que se empenham em destruir as teses. Isto é, buscam de todas as formas encontrar argumentos contra o racional e só prosseguem com aquilo que consiga sobreviver razoavelmente à inquisição.
Com certeza é um expediente longe da perfeição, mas é melhor do que nada. E com certeza perdem-se oportunidades ao trilhar esse caminho, mas isso é inerente ao enfrentamento da incerteza indissociável de uma aposta no futuro.
Fica, então, o convite: que tal começar a desafiar suas próprias teses?
Como sugestões adicionais: limite os ruídos. Use redes sociais com moderação. Não se permita viciar no homebroker. Questione a qualidade da opinião do interlocutor. Cuidado especial com bravateiros de plantão.
E nunca (nunca mesmo!) perca de vista a própria falibilidade. Respeite-a e esforce-se em contorná-la como eterno aprendiz de si mesmo.
Até a próxima.
Ricardo Schweitzer é analista CNPI, consultor CVM e investidor profissional.
Twitter: @_rschweitzer, Instagram: @ricardoschweitzer