
Se preços relativos mudam o tempo todo, não renuncie ao direito de trocar de ideia sobre suas posições. Por Ricardo Schweitzer*
Confesso: essas últimas semanas foram bem cansativas. É a sina do analista: as temporadas de resultado sugam por completo a energia.
Mas, para além do volume escandaloso de informação para digerir, tenho que reconhecer que há algo de animador: foram muitas as empresas cujos números acusaram, de maneira patente, que o pior já passou.
Poderíamos discutir se a melhora foi da magnitude que o mercado esperava (em certos casos, não foi) e se as perspectivas futuras são tão brilhantes quanto antes (com um leve azedume no ar em relação a 2022, há quem pense que não o são). Isso não diminui a satisfação de constatar, materialmente, que caminhamos a passos um pouco mais largos em direção à normalidade.
(E talvez a normalidade à brasileira seja, em ano eleitoral, naturalmente conturbada mesmo…)
Quem me acompanha de outros carnavais sabe que tenho certo apreço por teses de reestruturação – os famigerados turnarounds. Nessa seara, merece pontuação especial que algumas empresas colheram avanços importantes. Para dar dois exemplos, há uma gigante de telecom segue colhendo avanços operacionais e se prepara para sair de recuperação judicial, e há uma gigante da educação dando sinais de retomada de demanda e benefícios duradouros de uma estrutura de custos e despesas mais leve, com boas chances de melhora de rentabilidade já em 2022.
Só que, em oposição ao mundo real, há o mundo do homebroker, dos preços. E neste, a sensação é de que tudo continua mal – senão pior do que antes.
O mercado não tem nenhum compromisso com a racionalidade no curto prazo. E, francamente, a nítida impressão que tenho tido nas últimas semanas é de que, por ora, ótimas e péssimas empresas estão sendo jogadas na mesmíssima vala comum. E isso, para além da consternação de curto prazo, abre oportunidades.
Essa situação, no entanto, me impõe um dilema: a penalização de ações de empresas de alta qualidade diminui a atratividade relativa de teses mais problemáticas. Se tem coisa boa ficando barata, algo não tão bom assim, porém barato perde parte de seu apelo.
Tenho, sim, dado maior atenção a empresas em situação mais saudável neste momento. Se o Senhor Mercado anda menosprezando a todos por igual, algumas trocas podem fazer sentido.
Mas sou humano e confesso que isso esbarra em um ponto de dificuldade: me é um milhão de vezes mais fácil reduzir a mão em uma tese que por ventura tenha de fato deteriorado do que porque outras coisas ficaram conjunturalmente ainda melhores.
E, no momento, é sobre isso o mercado.
Aí eu lembro: se para mim, que estou no jogo há anos, é difícil, imagino para quem tem menos tempo de jornada?
Vem, então, a obrigação de ofício de lembrá-los de que nossa relação com as teses de investimento não deve ser de casamento católico. Não há qualquer necessidade de agarrar-se a qualquer ideia de investimento até que a morte os separe.
Se o mercado está em constante movimento; se os preços relativos mudam dia após dia, então mudar de ideia é mais do que direito: é dever.
Com empresas de qualidade voltando a preços similares ao auge da pandemia (ou piores!), não renuncie ao direito de renunciar: se fizer sentido e não houver alternativa (caixa não é infinito…), permita-se trocar. Desonra nenhuma nisso.
É tudo uma questão de preço. Guarde sua fidelidade para compromissos mais elevados.
Um abraço e até a próxima.
*Ricardo Schweitzer é analista CNPI, consultor CVM e investidor profissional.
Twitter: @_rschweitzer, Instagram: @ricardoschweitzer