Preço-alvo não é chute (e nem profecia) | Por Ricardo Schweitzer

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Artigo de Ricardo Schweitzer

O processo de avaliação importa muito mais do que o resultado. Por Ricardo Schweitzer*

Já se vão quase 15 anos de dedicação à análise de investimentos nestas minhas costas tortas.

Consequentemente, já perdi a conta de quantas planilhas de valuation fiz na minha vida.

Para minha sorte, eu sempre gostei de fazer. Dá trabalho, bastante trabalho. Mas sempre foi (pelo menos para mim) o tipo de trabalho que, de certa forma, limpa a mente. Mais do que qualquer coisa, construir um valuation é e sempre foi, para mim, quase uma meditação a respeito de uma determinada empresa.

Foram incontáveis os insights que já tive a respeito de teses de investimento que só aconteceram por conta desse processo.

E é justamente por isso que duas condutas muito recorrentes sempre me irritaram profundamente.

A primeira é mais comum principalmente em mercados em alta: o sujeito que simplesmente diz que valuation não serve para nada. A justificativa, tipicamente, é a mais furada possível: tendo em vista que um valuation se constrói, basicamente, em cima de premissas a respeito do futuro (que, por definição, podem não se concretizar), então a conclusão é de que aquilo tudo é um chute sem valor algum.

Meu caro: a não ser que você esteja comprando empresas abaixo do valor de liquidação dos ativos, você está fazendo suposições sobre o desempenho futuro. A diferença é que você pode colocar essas suposições “no papel” (na planilha, para ser mais preciso) ou simplesmente sustentá-las de boca. Mas você está, sim, supondo. E pior: se é de boca, as implicações de suas suposições sobre o valor de um investimento são muito mais chutadas do que qualquer valuation.

A segunda é frequente entre jornalistas (os mesmos que fazem aquelas manchetes lucro da empresa XPTO aumenta 3489%, que não significam rigorosamente nada) e pequenos investidores: ignorar todo o processo e partir para o bendito preço alvo. E pior: tratá-lo como uma previsão.

“Banco XYZ projeta que ação XPTO estará em R$30 em dezembro de 2022” incute na cabeça de quem lê que o analista é dotado de uma visão além do alcance que antevê a que nível o mercado vai alçar a ação ao longo dos próximos x meses.

E vai por mim, pois eu já estive lá: não é bem assim. Não é essa, sequer, a intenção do analista que escreve assim.

O que significa um “preço alvo”? Leia da seguinte maneira: se a expectativa do mercado para essa empresa que está implicitamente expressa no preço de tela convergir para o mesmo conjunto de premissas que eu usei no meu modelo na data-base que eu estou usando, então o preço de tela será X.

Percebe como isso é radicalmente diferente de “eu prevejo que a ação vai custar X”?

Por definição, cada analista assume que o seu conjunto de premissas é a melhor estimativa possível. Mas é natural e esperado que, em maior ou menor medida, as pessoas divirjam entre si a respeito do futuro. Portanto esse se é muito importante.

Infelizmente a maioria pula a parte mais importante do processo e se concentra somente no tal do preço-alvo – que nem de longe é a parte importante do valuation.

O que realmente é educativo, ali, é o aprendizado sobre como cada variável impacta o valor da empresa. São análises relativas e não absolutas.

A discussão sobre o preço-alvo da Vale é infinita. Muito mais interessante é a discussão de quanto esse preço varia para diferentes níveis de preço do minério de ferro, por exemplo. Da mesma forma, muito mais proveitoso é discutir qual é o preço de longo prazo da commodity que está implícito na cotação atual da ação (e avaliar se esse preço faz sentido ou não).

É um jogo completamente diferente. Mas que, por razões comerciais, acaba chegando no interlocutor final como um número, unidimensional.

Lá no começo da minha caminhada, eu levava minhas projeções muito a sério. Levei bastante tempo para entender que aquilo é um exercício, e não uma previsão. Serve muito mais para inferir se o preço de um certo ativo num determinado momento está dentro de uma faixa plausível ou se, para justificá-lo, são requeridas premissas mais otimistas (ou pessimistas) do que eu consigo adotar.

E aí voltamos à questão do preço: o mercado não tem absolutamente nenhum compromisso com a convergência de expectativas num horizonte predefinido de tempo. O preço-alvo para dezembro do ano que vem é uma simples convenção: poderia ser para daqui a 5 anos também, bastando um ajuste simples na planilha.

Convencionou-se assim por razões puramente comerciais: de muito pouca serventia à clientela teriam expectativas para prazos diferentes. Imagina se o preço do analista do BTG é para dezembro de 2022 enquanto o do JPMorgan projeta para junho de 2025? Não dá para saber direito nem qual dos dois está mais otimista… 

Frequentemente, analistas com mais quilometragem incluem em seus relatórios uma dimensão muito interessante da análise: pois bem, essas são as nossas expectativas. O que eu acho que precisa acontecer com o mercado/com a empresa para que as expectativas do consenso de mercado (que são diferentes da minha) convirjam para essas aqui?

Muitas das melhores coisas que eu já li (e vi, eventualmente, se concretizarem) vinha desse tipo de discussão – e não do maldito número “cru” do preço-alvo.

E a razão é simples: o mercado é feito de gente. É produto de interação humana; de embates de expectativas a respeito do futuro. Não cabe, por inteiro, dentro de uma planilha.

E muito menos se resume a um número cuspido por uma planilha.

Preço-alvo não é chute. E não é profecia. Mas não é um fim em si mesmo: o processo pelo qual nele se chega importa muito mais do que o resultado. 


*Ricardo Schweitzer é analista CNPI, consultor CVM e investidor profissional. 

Twitter: @_rschweitzer, Instagram: @ricardoschweitzer

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