
“Existe uma forte demanda pela sua atenção – e os expedientes empregados não necessariamente fazem você investir melhor”. Por Ricardo Schweitzer*
Nunca conheci alguém que sinceramente acredite que o programa do José Luiz Datena é bom.
Não existe absolutamente nada de edificante ali. Ninguém fica nem mais instruído, nem mais feliz assistindo ao Brasil Urgente.
Mas o Brasil Urgente existe desde dezembro de 2001. São quase 20 anos no ar.
Eu disse vinte anos.
E a razão é muito simples: as pessoas gostam de assistir desgraça. Todo acidente provoca engarrafamento, mas não necessariamente porque a pista está obstruída: é porque todo mundo diminui a velocidade para ver os destroços mesmos.
Existem até teorias evolutivas que se propõem a explicar o fenômeno: desgraças despertariam nossa atenção porque nos propiciariam aprendizados a partir dos reveses alheios, aumentando nossas chances de sobrevivência.
É uma boa teoria. Se é verdadeira ou não, eu simplesmente não sei.
Ponto é que esse fenômeno – esse aparente magnetismo da desgraça – se faz muito presente contemporaneamente, inclusive no mundo dos investimentos.
Escrevo este texto na tarde de segunda-feira, 20 de setembro. O mercado hoje sofre pesadas desvalorizações em razão, dentre outros motivos, de preocupações com a solvência da incorporadora chinesa Evergrande.
O universo de coisas que eu não sei sobre a Evergrande é muitíssimo maior do que o universo de coisas que eu sei. Mas eu tenho a absoluta certeza de que o YouTube será coalhado de vídeos sobre a crise da Evergrande nas próximas 24 horas – todos com thumbnails de influencers fazendo cara de pânico e consternação.
Não, não se trata de uma crítica aos influenciadores: eles estão pura e simplesmente jogando o jogo do algoritmo do YouTube. A “culpa” dessa linguagem sensacionalista é do próprio público, que privilegia esse tipo de conteúdo a outros com roupagem mais sóbria.
(Perceba, inclusive, que a estética das thumbnails do YouTube é cada vez mais homogênea. Fundo preto, influenciador fazendo careta, letras em cores chamativas, frases de efeito tiradas de contexto e títulos-pegadinha – os famosos clickbaits)
Esse fenômeno ocorrerá amanhã. E ocorrerá de novo no próximo grande fato do mercado. E no próximo e também no subsequente: notícias negativas serão emolduradas como verdadeiras catástrofes e notícias positivas ganharão contornos de enormes reviravoltas ou oportunidades imperdíveis.
E não pense que isso se restringe às redes sociais: abra qualquer site de notícias e constate que essa linguagem histriônica se faz presente em todo lugar. Quem nunca viu uma ação derreter zero vírgula vinte e quatro por cento que atire a primeira pedra…
Sua atenção vale dinheiro. E há uma intensa disputa por ela. E quem a disputa lança mão das estratégias que funcionam. Negócios são negócios.
Seja isto intencional ou não por parte de quem faz (e eu francamente acredito que, na maioria dos casos, não é), esse comportamento traz consigo consequências bastante nefastas para quem consome a informação.
Em primeiro lugar, tudo é exagerado. Para o bem ou para o mal, a mensagem é sempre hiperbólica. Vamos rapidamente da maior oportunidade da vida para o fim está próximo. Nunca algo é marginalmente bom ou marginalmente ruim: só os extremos importam para quem precisa de audiência.
Em segundo lugar, esses ciclos se retroalimentam. O primeiro conteúdo sobre o fato X que gera boa audiência faz com que outros produtores de conteúdo identifiquem que ali há oportunidade de views. E lá vão eles produzir algo que reverbere a mesma mensagem ainda mais alto. E de novo, e de novo… em uma espiral sem fim de estridência.
Consequentemente, as mensagens sempre são na mesma direção e tendem, inevitavelmente, ao exagero. Qualquer semelhança com os movimentos de mercado não é mera coincidência…
O problema é que o comportamento que o ato de investir exige de nós é exatamente o contrário disso.
Se você embarca na onda da vez – seja ela positiva ou negativa -, você rapidamente vai do modo vou vender meu apartamento e comprar isto para o modo vou fugir para as montanhas ou vice-versa. E acaba não chegando a lugar nenhum.
Compre na alta, em meio à euforia. Venda na baixa, em meio ao pânico. Repita até quebrar – e não se preocupe: não demorará.
Só que a coisa fica ainda mais sinistra: esses movimentos criam enormes oportunidades para quem oferece produtos e serviços também – mas essas ofertas não necessariamente se dão no melhor momento para quem compra.
Quando você acha que é mais propício vender uma ideia de investimento no exterior? Quando tudo está bem no Brasil ou quando todos falam em fuga de capitais? E quando é, de fato, melhor investir?
Quando você acha que é mais propício investir na bolsa? Quando o mercado está na bacia das almas ou quando o William Bonner anuncia novo recorde do Ibovespa? E quando é, de fato, melhor investir?
Quando você acha que é mais fácil oferecer estratégias de proteção de portfólio? Antes ou depois de o mercado cair? E quando é, de fato, melhor buscar essas proteções?
O pensamento do investidor precisa ser contracíclico. Mas a oferta de informações é cíclica. E a oferta de produtos e serviços também.
Não tenha dúvidas: você receberá muitas ofertas de produtos, serviços, relatórios, cursos e tudo mais prometendo proteger seus investimentos em meio às águas turbulentas pelas quais navegamos por esses dias.
Longe de mim crucificar quem quer que seja: as coisas são assim pura e simplesmente porque é nesses momentos que as pessoas se veem mais propensas a comprar esse tipo de ideia, produto ou serviço.
Mas isso não necessariamente é em seu melhor benefício.
Aliás, sabe o que seria em seu melhor benefício?
Algum nível de distanciamento do mercado, das fontes de notícias, etc, em meio a momentos de elevada turbulência.
Você é investidor(a) com foco no longo prazo? Então pare de acompanhar o dia-a-dia de forma tão frenética.
Você tem caixa para fazer alguma coisa? Caso negativo, feche o homebroker.
Não perca de vista: a volatilidade faz parte do mercado. E todas as vezes nas quais apostou-se que dessa vez era diferente acabamos quebrando a cara.
Quase nada é tão bom ou tão ruim assim: isso é uma estratégia para capturar sua atenção.
E não, muito provavelmente agora não é a hora de “comprar seguros”, de investir no exterior, de virar seu portfólio de cabeça para baixo para se preparar para o grande cataclisma que se aproxima.
Os últimos tempos foram bastante interessantes para o mercado, de forma que se faz cada vez menos provável que essa seja sua primeira zona de arrebentação.
Mas, se porventura for, saiba: o mercado é assim mesmo e não há nada de anormal acontecendo. É você que só havia visto um lado da moeda. E esse outro também faz parte e é indissociável do primeiro.
Aprenda a lidar. E aprenda a ser mais seletivo com as informações que consome.
Sua saúde mental e seu bolso agradecem.
*Ricardo Schweitzer é analista CNPI, consultor CVM e investidor profissional.
Twitter: @_rschweitzer, Instagram: @ricardoschweitzer