Não se faz negócio bom com gente ruim

Não se faz negócio bom com gente ruim. Artigo por Ricardo Schweitzer.

Minha recomendação para Eletromídia (ELMD3) remonta junho de 2022. À época, tínhamos uma empresa cujo histórico recente de resultados ainda refletia fortemente os efeitos da pandemia – e, ironicamente, ainda se discutia quão normal a vida pós-emergência sanitária seria.

O valuation era convidativo e existiam avenidas interessantes de crescimento via consolidação em certas verticais de atuação e aumento da alavancagem operacional. Não parecia uma tese de exuberante crescimento, mas sim de ótimo potencial contratado negociando a substancial desconto. Embarcamos.

Estava dando tudo certo

Operacionalmente, os trimestres subsequentes vieram acima do consenso do mercado – repetidas vezes. Mesmo com alguns projetos aparentemente “patinando” – com o caso do famigerado marketplace de mídia out-of-home do qual a empresa falava desde sempre -, havia muita gordura operacional.

Isto, combinado com uma melhora generalizada de humores do mercado, contribuía para a tese de maneira ampla e, mais especificamente, para a reprecificação das suas ações.

Em março deste ano, a surpresa: exatamente quando resultados e consenso se alinharam, ocorreu uma primeira aquisição de ações por parte da Globo. A famigerada vênus platinada acertou adquirir i) 8,6% das ações da ELMD, tendo como vendedores o fundo controlador (HIG) e o CEO Alexandre Guerrero; e ii) “pelo menos” mais 6,4% diretamente do mercado – chegando, portanto, a um mínimo de 15%.

Observe que, naquela ocasião, os termos do acerto com HIG e Guerrero não foram divulgados. Guarde esta informação…

Vendendo no escuro

Em abril, enquanto aguardava a decisão do CADE com relação ao contrato firmado com HIG e Guerrero, a Globo foi a mercado comprar a parte que deveria ser adquirida diretamente do free float. Aos vendedores da ocasião, o ingrato dilema era: vendo sem saber por quanto eles vão comprar do controlador?

E foi no escuro que muita gente vendeu.

Posteriormente veio a aprovação do órgão antitruste à operação. Com ela, a Globo passou a exercer seus direitos políticos na Eletromídia – e a expressão de tal exercício veio na forma da celebração de um acordo de acionistas e, pari passu, mudanças na composição do conselho de administração.

Estamos, aqui, no dia 03/08. No dia 04, veio convocação de assembléia extraordinária – para, dentre outros pontos, alterar o limite de participação da cláusula de poison pill.

Pílula de veneno

Poison pill é um mecanismo de proteção à dispersão da base acionária de uma empresa de capital aberto. Sua finalidade é impedir que acionistas potencialmente “hostis” atinjam participação individual em uma Companhia que lhes permita exercer direitos políticos muito superiores aos demais acionistas.

A regra é simples: quem quiser ter mais de X% da Companhia precisa fazer uma oferta para adquirir as participações de todos os demais sócios a um preço pré-determinado.

No caso da Eletromídia, o limite era de 20% e o preço equivalia a 120% do maior preço pago pelo acionista em transações com partes relevantes (leia-se o controlador). A proposta era de ampliar tal limite para 27,5% e reduzir o prêmio a 100%.

Repito: até aqui, todos os acionistas se viram no escuro com relação aos termos firmados entre Globo, o fundo HIG e o CEO da Empresa.

Um timing muito conveniente

As propostas passaram na assembleia. A julgar pelo mapa de votação, aparentemente contando com os votos de Globo e HIG – cujo nível de informação sobre o que se passava era, obviamente, muito superior ao dos demais acionistas – para tal aprovação.

No dia seguinte à deliberação, lá foi a Globo aumentar sua participação de 20% para 27,5%. Ou seja: é óbvio, latente, que se tratou de uma jogada completamente orquestrada para permitir que a empresa aumentasse (ainda mais) sua participação em ELMD o mais rápido possível, sem sequer que os demais acionistas soubessem qual preço havia sido acordado com o acionista controlador.

Enfim, a verdade: ontem finalmente soubemos que o preço firmado com HIG e Guerrero foi de R$22,56 – à época, um prêmio de aproximadamente 30% sobre o preço de tela.

Ao aprovar às pressas, às escuras e na marra as matérias da AGE, efetivamente os minoritários foram privados da oportunidade de vender suas próprias ações à Globo ao preço de R$27,07 (120% do preço pago ao controlador).

Fomos passados para trás, em uma manobra arquitetada e orquestrada por HIG e Globo.

Alô, CVM? Alguém aí?

Autor: Ricardo Schweitzer

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